Herbert de Souza, o Betinho, foi um dos grandes defensores da democracia e da participação cidadã como instrumentos para construção de uma sociedade mais justa. Vinte anos depois de sua morte, seus escritos continuam atuais.
Para Betinho, “o poder do governo é sempre o poder dominante de uma sociedade. Se você não mudar a sociedade, não adianta mudar o governo. A mudança é aparente”. [4]
O que Betinho perseguia era a democratização radical do Estado, sua submissão ao controle da sociedade, da cidadania. “Não quero o Estado no planalto, mas na planície. Não quero o presidente, mas o cidadão, não quero o salvador, mas o funcionário público eleito para gerenciar o bem comum”. [4]
Mas o que democracia?
Betinho dizia que “a democracia é uma das mais antigas ideias da humanidade. Jamais realizada. Tem servido ao longo desse período tanto para inspirar movimentos libertadores como para justificar golpes militares e regimes de opressão. Em nome da democracia já se fez muito bem e se praticou muito mal. Em seu nome, morreram homens e mulheres em todo o mundo e ditadores deram golpes em muitas regiões da terra.” [1]
Para alguns é uma ilusão cuja função é desviar os esforços das lutas concretas, imediatas, fundamentais. Uma espécie de ópio do povo. Para outros é uma utopia, uma inspiração radical de transformação da sociedade. Uma ideia-força que ilumina a história humana. Sempre presente e jamais plenamente realizada e, por isso mesmo, motor permanente de transformação da própria humanidade. [1]
Desde os mais antigos pensadores até hoje a democracia é uma questão não resolvida e sempre por se resolver. Em seu nome, os impérios antigos se desmoronaram. O mundo feudal se acabou. O capitalismo se propôs como libertação do velho mundo e o socialismo anunciou o novo. [1]
Como proposta de futuro, a democracia é sempre reflexão e problema diferente em cada época e em cada país. Os que lutam pela democracia nos Estados Unidos, África do Sul, Paraguai e Brasil buscam a mesma coisa, igual e diferente. [1]
A democracia é o igual e o diverso. O encontro de liberdades. A convergência da pessoa e da comunidade. Da sociedade civil e do Estado (administração do bem público). A democracia é o atendimento do básico e do transcendental. Do pão e da liberdade. Do finito e do infinito. Do eu e do nós. É a afirmação da consciência no mundo de sua falsificação em relações coisificadas. Democracia é liberdade e política, é enfim aquilo que queremos fazer de todos nós e que, por isso, algum dia será, sem nunca ser totalmente, porque, como proposta de algo sem fim e limites, é sempre obra inacabável. [1]
Mas democracia é exatamente aquilo que fizermos dela e, por isso, é fundamental inventá-la em todos os níveis e a cada momento”. [1]
“A democracia se constrói em torno de alguns princípios fundamentais, simples em seu enunciado, complexos e radicais em sua realização histórica: igualdade, liberdade, diversidade, solidariedade, participação. Separados eles se negam, juntos eles constroem o processo que leva à democracia. [2]
Cidadania e democracia se fundam em princípios éticos e, por isso, têm o infinito como seu limite. Não existe o limite para a solidariedade, a liberdade e a igualdade, participação e diversidade… A democracia é uma obra inesgotável.[2]
Pensar a realidade brasileira à luz da democracia é rever o passado, entender o presente e refletir sobre o futuro, tendo como referência esses princípios básicos.” [2]
Público: o espaço da democracia
Segundo Betinho, o público é o espaço da cidadania. “O mercado é o deus do privado e se apresenta como se pudesse resolver todos os problemas da humanidade. Pela via do mercado tudo se resolve. O ator principal do mercado é a empresa privada, sempre eficiente, honesta, flexível, inteligente. Em contrapartida, está o estatal. O Estado é pesado, deficiente, burro, burocrático, incapaz de resolver os problemas, passivo da corrupção. O que há de verdade em tudo isso?”
De acordo com ele, “a referência básica para avaliar o privado e o estatal é a democracia: serve o privado à democracia? Serve o estatal ao bem de todos? Serve o público a todos? É aí onde entra o conceito de público como critério para se definir a função democrática do privado e do estatal. O público é campo da democracia; sem democracia só há o privado ou o estatal.” [3]
Betinho dizia que “o público é o espaço da solidariedade, da igualdade, da participação, da diversidade, da liberdade. Enfim, o público é a expressão da democracia aplicada ao conceito do que deve e pode ser universal, de todos. Mas é também um modo de pensar a reorganização de nossa sociedade marcada por essa dicotomia entre o privado e o estatal.” [3]
Ele propunha que o democrático fosse abrangente, que o público fosse “a forma democrática de existir e equacionar os problemas de todos, onde a cidadania realiza toda a sua universalidade”. De acordo com Betinho, “o público inaugura a era da cidadania, encerra a era do individualismo e do estatismo.” [3]
No menu abaixo apresentamos os cinco princípios que, na visão de Betinho, definem a democracia. Reunimos vários extratos de seu pensamento sobre cada um dos princípios e construímos cinco textos.
Alertamos que, como se trata de uma leitura nossa das ideias de Betinho – a partir da reunião de vários fragmentos de textos que escreveu ao longo da vida – eventualmente, a nossa produção pode não traduzir fielmente a intenção original de seu autor.
Além desses textos, apresentamos depoimentos com outras visões sobre cada um dos cinco princípios.